Meu poema preferido de Adélia Prado

Texto de Rafaela Oliveira

Acho curioso o efeito da poesia de Adélia Prado (1935) sobre mim. Num primeiro plano, o que me causa é algo do desconhecido. Se, por motivos insondáveis, ela não está entre minhas poetas preferidas, é certo que um de meus poemas prediletos é seu. “Previsão do tempo” é um companheiro de vida. Sempre na beira da minha memória, vez ou outra me faz visita, de forma que estou frequentemente com ele na cabeça. Para mim, é impossível lê-lo e não sair com uma risada ou no mínimo um sorriso. Nesse poema, Adélia me ensina a dignidade da tristeza e do desânimo frente a modalidades vazias de otimismo; Faz ler o mau humor com o bom humor, e, por isso mesmo, torna a “rebelião da tristeza” mais fácil de suportar. Reproduzo aqui esse poema que tem um lugar privilegiado no meu interior.

 

Previsão do tempo

O espírito da rebelião

também chamado de tristeza e desânimo

começou de novo sua ronda sinistra.

Sua treva e seu frio são de inferno.

Por causa de maio, esperava dias felizes;

e ensolarado até agora só o recado de Albertina,

escolhida pra cantar Jesus é o pão do céu.

Pão sem manteiga, Albertina,

é bom que o saiba.

É com ervas amargas que o comemos

(Adélia Prado, 2015, Miserere, p.27)