PARA ALÉM DA EROTOMANIA

 

Escrito por: Céline Aulit

Tradução livre por: Rafaela Oliveira

Texto originalmente em francês disponível em: https://www.hebdo-blog.fr/editorial-dela-de-lerotomanie/

 

“A chata erotômana é aquela que não pode se impedir de colocar a questão: ‘você me ama?’” J-A, Miller, O osso de uma análise, p.98

 

Se a erotomania, em sua forma psicótica, é a certeza de ser amada pelo outro, pode se dizer que na histeria, ela é uma das vias que o sujeito se serve para colocar a questão de seu ser, ou melhor, de sua falta-a-ser. Uma mulher, marcada como todo falasser por uma irremediável incompletude, sendo no seu caso uma marca encontrada no próprio corpo, tende a buscar seu complemento de ser no discurso amoroso [fala de amor], ao contrário do lado masculino da tabela de sexuação que, por sua vez, insere na sua manobra com o outro sexo um objeto fetiche.

Ela procura isto que a causa no outro: esse “eu não sei quem eu sou como mulher” faz surgir na transferência o sujeito suposto saber qualquer coisa sobre ela, o analista como “substituto da causa oculta” [1].

Se o amor segue a mesma lógica que o saber, o “Eu não me amo” intrínseco ao falta-à-ser encontrará sua resposta na emergência de um sujeito suposto amar do qual a mulher observa os menores sinais de amor que são os sinais de um deixar-se cair que a deslumbram. A fala de amor, que Lacan coloca do lado do Ⱥ, encontra sua contraparte na devastação que captura o falasser sob a forma de “uma dor […] que não conhece limites” [2].

O parceiro é então convocado via um modo de gozo do significante ouro, como nos lembra Jacques-Alain Miller, “… os falasseres enquanto seres sexuados fazem casal não no nível do significante puro, mas no nível do gozo, e essa relação é sempre sinthomática” [3]. A demanda de amor, essa garantia irrefutável, impossível de dar, não cessa de não fazer relação e abre um abismo sem fundo que suga o sujeito.

É sem dúvidas a razão pela qual J-A. Miller convida os sujeitos femininos a “resolver a questão do amor, ou seja, da [sua] erotomania.” [4]. Com efeito, a clínica nos demonstra que essa fala [de amor], mesmo que seja condição necessária para se acender à alteridade do feminino, revela-se insuficiente.

Quer isto dizer que esses sujeitos são convidados a sustentar sua aposta no encontro amoroso? Ao invés de oferecer seu ser, tratar-se-ia de um compromisso com o “objeto a” consentindo em encarnar “o objeto que causa o desejo de um homem” [5]. É o convite que faz Lilia Mahjoub aos homens: “que falem com elas a partir de sua fantasia para aceder à um gozo” [6]

Uma mulher, para resolver o escolho da erotomania, passa pela tecedura entre amor e “objeto a”. O amor permite que o objeto real passe à semblante e que seja colocado em jogo no encontro com um parceiro para alcançar sua própria alteridade.

 

 

[1] Miller J.-A., « L’orientation lacanienne. Cause et consentement », enseignement prononcé dans le cadre du département de psychanalyse de l’université Paris 8, cours du 16 décembre 1987, inédit.

[2] Miller J.-A. « Un répartitoire sexuel », La Cause freudienne, n°40, janvier 1999, p. 15.

[3] Miller J.-A., L’Os d’une cure, op. cit., p. 74.

[4] Miller J.-A. « L’orientation lacanienne. Le partenaire symptôme », enseignement prononcé dans le cadre du département de psychanalyse de l’université Paris 8, cours du 27 mai 1998.

[5] Lacan J., Le Séminaire, livre XXII, « R.S.I. », leçon du 21 janvier 1975, inédit.

[6] Mahjoub L., « Érotique féminine et dits de femme » (2019-2020), enseignement prononcé dans le cadre de l’ECF, inédit.