Texto escrito por Caroline Quixabeira*

Em 2019, a Escola Brasileira de Psicanálise – Seção São Paulo, divulgou como tema de sua jornada a “Solidão”. Palavra não estranha a mim, seja em significado ou sentimento. Em um jogo de contingências da vida, na época do lançamento do evento estava novamente as voltas com o romance autobiográfico de Sylvia Plath, autora que circunda minha vida desde a adolescência e parece me acompanhar mais de perto na fase adulta. Em sua obra, Plath não se mostra estranha diante da solidão.

Em seu romance, “A Redoma de Vidro”, e em seus diários datados a partir de seus dezoito anos (1950), encontrei de forma recorrente a temática da solidão. Ainda me questiono se não seria o próprio ato de escrever algo nascente do encontro do sujeito e a solidão, sendo eu mesma uma mulher que, vire e mexe, me nomeio escritora, principalmente, quando como de supetão tropeço com a solidão fazendo moradia em minha vida. 

Foi deste contexto que nasceu o trabalho “A solidão da poeta Plath” apresentado por mim na Jornada. Resolvi resgatá-lo das teias da gaveta cibernética e compartilhá-lo no “Psicanálise no cerrado”, projeto que admiro muito e sou eternamente grata por poder contribuir. Leia nos próximos parágrafos o trabalho na integra:

Abro esta exposição com um trecho do diário de Sylvia Plath de 1951: “Agora sei o que é solidão, acho. Momentânea solidão, pelo menos. Vem do fundo vago do ser – uma doença no sangue espalhada pelo corpo, de modo que não pude localizar a origem, o ponto de contágio. […]. Não dá para me enganar e escapar à constatação bruta de que não importa o quanto você se mostre entusiasmada, não importa a certeza de que caráter é destino, nada é real, passado ou futuro, quando a gente fica sozinha no quarto com o relógio tiquetaqueando alto no falso brilho ilusório da luz elétrica. E se você não tem passado ou futuro, que no final das contas são elementos que formam o presente todo, então é bem capaz de descartar a casca vazia do presente e cometer suicídio. […]. E penso: Sou apenas uma gota a mais no imenso mar de matéria, definida, com a capacidade de perceber minha existência. […] Meu Deus, a vida é solidão, apesar de todos os opiáceos, apesar do falso brilho das “festas” alegres sem propósito algum, apesar dos falsos semblantes sorridentes que todos ostentamos.”. [1]

Concomitante o lançamento do tema da Jornada, Solidão, encontrava-me às voltas com a obra da poetisa Sylvia Plath, seu romance autobiográfico, A Redoma de Vidro e a coletânea de seus diários datando a partir de seus dezoito anos (1950). Tal coincidência se fez pertinente quando encontrei nas obras de Sylvia um assunto recorrente: sua solidão.

A solidão, localiza La Sagna, é fazer uma separação com Outro de modo com que ainda se tenha algo de uma fronteira [2]. Ela possibilita a aproximação ao que é impossível de comunicar, o que não pode ser dito. Na verdadeira solidão constata a inexistência do Outro e esta constatação abre a porta para um tédio profundo, dor ou excitação [3]. Plath não esconde em sua obra a direção que toma diante da inexistência do Outro. O tédio.

Ao longo de suas produções literárias deparei-me com inúmeras referências do tédio profundo com a qual lidava em seu cotidiano. Inclusive o próprio título de seu único romance, “A Redoma de Vidro” é uma metáfora ao termo utilizado ao longo do livro pela personagem principal, Esther, para exemplificar um sentimento que a acompanha. Neste, a autora traz duas referências ao sentimento de estar dentro de uma redoma de vidro: “[…] estaria sempre sob a mesma redoma de vidro, sendo lentamente cozida em meu próprio ar viciado. […]. O ar da redoma me comprimia, e eu não conseguia me mover” [4] e “Para a pessoa dentro da redoma de vidro, vazia e imóvel como um bebê morto, o mundo inteiro é um sonho ruim.” [5]

Neste livro a personagem Esther inicia a narrativa falando sobre as possibilidades que se abriram em sua vida quando ganhou uma premiação em que poderia trabalhar em uma revista feminina famosa em Nova York, pontua que as pessoas deviam estar pensando que ela conduzia a cidade como se fosse seu próprio carro. Sobre esta suposição, acrescenta: “Acontece que eu não estava conduzindo nada, nem a mim mesma. Eu só pulava do meu hotel para o trabalho e para as festas, e das festas para o hotel e então de volta ao trabalho, como um bonde entorpecido. Imagino que eu deveria estar entusiasmada como a maioria das outras garotas, mas eu não conseguia me comover com nada. (Me sentia muito calma e muito vazia, do jeito que o olho de um tornado deve se sentir, movendo-se pacatamente em meio ao turbilhão que o rodeia.)”. [6]

 Diante da solidão da inexistência do Outro, Plath faz do seu ato de escrever a sua própria produção fantasmática para lidar com o real que sobrevém. Se ao longo das passagens de seus diários pontua sua incapacidade de viver sem estar escrevendo é porque demonstra que a escrita funciona como uma amarração para o Outro barrado. Sem o Outro atuando como simbólico frente ao real, Sylvia engancha o seu escrever como a sua forma de articular o indizível. Em uma passagem de seu diário, afirma “esta é a minha missão, meu trabalho. Isto dá um nome, um sentido à minha existência: torna o momento eterno.”  Em seu ato de escrever caracteriza o instrumento que por excelência tenta explicar aquele ponto íntimo e incapturável. [7].

 

*Caroline Quixabeira é Psicóloga clínica e Psicanalista. Costuma caminhar entre a psicanálise e a arte enquanto divide seu tempo entre estudos, tentativas de escrita e atendimentos na cidade de Goiânia-Go.

Instagram Profissional: @psicarolinequixabeira

 

 

[1] Plath, S. Os diários de Sylvia Plath 1950-1962. São Paulo: Biblioteca Azul, 2017 (segunda edição), p. 44-45

[2] La Sagna, P. “D l’isolement à la solitude”. La Cause freudienne, n. 66. Paris: ECF, 2007, p. 44. Tradução livre.

[3] La Sagna, P. “D l’isolement à la solitude”. La Cause freudienne, n. 66. Paris: ECF, 2007, p. 47. Tradução livre.

[4] Plath, S. The Bell Jar. New York: HarperCollins Publishers, 2005, p. 185-186. Tradução livre.

[5] Plath, S. The Bell Jar. New York: HarperCollins Publishers, 2005, p. 237. Tradução livre.

[6] Plath, S. The Bell Jar. New York: HarperCollins Publishers, 2005, p. 2-3. Tradução livre.

[7] Menghi, C. Sylvia Plath: L’écriture reste: elle va seule dans le monde. La Cause freudienne, n. 43. Paris: ECF, 1999, p. 43-44. Tradução livre.